Minha Desconstrução de Conceitos: Estereótipos de Gênero - Parte 2
Como comentei no post anterior, eu
cresci acreditando nos estereótipos de gênero, mas aos poucos fui e continuo
revendo todas as minhas crenças e isto têm me possibilitado a refletir sobre
muitas coisas.
Interessante é apenas um dos muitos
adjetivos que me veem à mente quando olho para o meu passado de forma
reflexiva. Eu acho que seria muito difícil eu ter aberto minha mente para os
estereótipos de gênero e sua problemática se meus pais não tivessem plantado
uma sementinha lá no começo sobre não precisar se enquadrar nas expectsativas
do que é ser uma menina.
Meus pais me deram bastante liberdade de
agir da forma que gostaria de agir sem me apegar em coisas de menino ou menina.
Minha primeira bicicleta foi uma bicicleta usada que era feita para meninos,
então ela tinha jeitão de moto e não a famosa bicicleta rosa com cesta e
frufru. Lá em casa, jogos de tabuleiros sempre foram os brinquedos preferidos,
o que não é exatamente algo de menino ou de menina. Eu passava a maior parte
das minhas tardes em um terreno baldio brincando de Polícia e Ladrão. Tentei
construir uma casa na árvore com a minha melhor amiga. A minha festa de 15 anos
foi um curso de Sobrevivência na Selva. Enfim, não me enquadrei em um padrão,
como a maioria das crianças não se encaixam quando os deixamos livres.
Meu pais deram bastante liberdade por um
lado, mas ao mesmo tempo, não crescemos livres dos papéis e expectativas do
gênero. Meus pais sempre nos estimularam a estudar, atingir uma independência,
principalmente financeira. No entanto, eles sempre nos ensinaram que nós
precisávamos saber como tomar conta de uma casa e de um marido. Meus pais escutaram de muitas pessoas que suas
filhas acabariam todas grávidas na adolescência, pois eles nunca colocaram os limites
que as outras pessoas achavam adequados para as nossas amizades. Nossa casa era
frequentada por meus amigos de ambos os sexos. Aliás que houveram períodos em
minha vida em que eu tinha mais amigos do sexo masculino do que feminino, então
só tinha menino na minha casa. Por outro lado, exceto o meu marido, os meus
outros namoradaos sérios foram até em casa pedir minha mão em namoro e não
tinha namoro se eles não fizessem isso. Meu pai não lavava louça ou limpava a
casa, ele sempre dizia que tinha 4 mulheres em casa e isso não era
responsabilidade dele (se minha mãe estivesse doente a história era outra) mas na
mão contrária, minha mãe nunca levantou de noite para cuidar de nós, sempre foi
meu pai. Aliás que meu pai sempre foi mega participativo no nosso cuidado, ele
sempre esteve ciente de todos os detalhes da nossa saúde, vida acadêmica, fazia
questão de estar presente em quase todas as nossas consultas médicas, nunca
teve problema algum em ir até a farmácia e comprar absorvente para qualquer uma
das 4 mulheres da vida dele... Enfim, cresci neste mundo aí de contradições
rsrs, mas vocês veem como a sementinha foi plantada? Em alguns pontos meus pais
iam totalmente de encontro com os estereótipos de gênero e outras iam pelo lado
oposto.
Eu penso, penso e penso e não sei dizer
quando foi exatamente que eu entendi que não dava para se definir nada a partir
do gênero de uma pessoa. Que eu não era uma menina moleque, que eu era uma
menina como milhões de outras meninas por aí. Eu comecei a ver o quanto estas
ideias preconcebidas de que eu tenho que agir de forma x ou y me limitaram e
limitam ainda, mas não sei dizer quando tudo começou rsrs Só sei que têm força
total hoje em dia.
Alguém aí já leu o “Lean in” da Sheryl
Sandberg? Recomendo forte! O livro fala bastante destes padrões sociais que nos
limitam na carreira e também na vida pessoal. Em um dos capítulos “Sucess and
Likeability,” Sharyl descreve como a postura da mulher é interpretada de forma
muito diferente quando similar com a postura que se é esperada do homem. O
papel do homem é de ser o provedor, decisivo, determinado, auto-confiante. Já a
mulher, se é esperado que ela seja uma cuidadora nata, sensível, generosa,
dócil, amável.
Há diversos estudos na área que
demonstram esse viés baseado nos estereótipos de gênero. Sheryl cita em seu
livro o estudo Heidi/Howard realizado pelos professores Frank Flyn da faculdade
de administração da Universidade de Columbia e o professor Cameron Anderson, da Universidade de New York.
Neste estudo, eles pegaram a história real de uma bem sucedida mulher de
negócios, Heidi Rozien e escreveram um texto que contava a jornada de Heidi
para o sucesso. Os professores fizeram com que metade de seus estudantes lessem
a história de Heidi como se ela fosse um homem- Howard. E a outra metade dos
estudantes leu com a protogonista sendo Heidi. Os alunos classificaram a
competência de Heidi e Howard como a mesma, no entanto Howard foi classificado
como um colega aparentemente mais prazeroso de se lidar, enquanto Heidi foi
classificada como egoísta. Entendam, era exatamente a mesma história, a única
diferença era o gênero dos protagonistas.
A realidade é que este estudo Howard/Heidi
só faz um desenho prático para nosso entendimento do que é a nossa sociedade e
estas posturas começam bem cedo, já na nossa primeira comunidade que se forma
na infância, a escola. A colega de classe inteligente é a sabichona, metida a
saber tudo, arrogante e conforme vamos avançando na vida acadêmica e
profissional, a ambiciosa a calculista... Por crescermos com estes conceitos,
nós vamos nos limitando. Ficamos super cuidadosas em nos posicionarmos de forma
firme, pois na maioria dos casos, não queremos ser a ambiciosa, a sabichona... Competência
não é a primeira coisa que se nota em uma pessoa com uma vulva e sim sua
graciosidade e personalidade cuidadora, que prioriza os outros. Se for
diferente, a pessoa com a vulva não é uma pessoa agradável e muitas vezes suas
inteligência é inclusive questionada.
A conversa está mudando, mas ainda se
predomina a ideia de que a mulher precisa ser acolhedora, precisa vestir suas
emoções à flor da pele. Não é fácil desfazer esta imagem que a sociedade coloca
de que a mulher que racionaliza é a mulher fria, que a mulher direta é
grosseira, que a mulher que é protagonista de sua história é uma bitch.
Eu tenho me policiado muito sobre não me
limitar mais baseado na expectativa dos outros. Lógico que isso afastou pessoas
e não vou dizer que não machuca, porque machucou sim, mas também encontrei
pessoas incríveis nesta minha jornada de auto-conhecimento e desconstrução de
conceitos. Vou crescendo cada dia um tiquinho mais e estou feliz com isso.
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