Vai voltar a trabalhar?

Feliz 2018!!! E já passamos da metade de Janeiro :) 

E em todo começo de ano, as pessoas tendem a perguntar umas as outras quais as resoluções deles para o novo ano. Algo que tenho escutado bastante, não só agora na virada do ano, é sobre eu voltar a trabalha fora de casa. Apesar de achar uma pergunta bem pessoal, entendo a curiosidade da galera.


Faz um ano e meio que não trabalho remunerado fora de casa. Estou sem exercitar minha função de biomédica clínica e nunca imaginei que encontraria paz em não estar dentro de um laboratório. Ó, demorou, mas encontrei minha paz. E não vou entrar no ponto sobre a conversa de onde se trabalha mais: fora ou dentro de casa, porque tenho um monte de coisas para falar só sobre esta parte específica, então é um assunto que ganha um post só dele no futuro rsrsrs  


A realidade é que o sistema patriarcado é uma merda e obviamente que quando você têm filho a merda inunda sua vida ainda mais. A gente fala de escolha sobre ficar ou não em casa, mas a realidade é que esta escolha está muito longe de ser uma escolha livre para as mulheres, independente de classes sociais e cor da pele. E sim, as escolhas ficam ainda mais limitadas baseado em classe social e cor. Todas as escolhas relacionadas à trabalho são pré-determinadas por vários fatores, inclusive os fatores de uma sociedade que quer sim colocar um peso tremendo nas costas das mulheres e de forma sistêmica vai colocando na sua consciência que ser uma boa mãe só ocorre se você abdicar de trabalho fora de casa e para ser excelente profissional você precisa abdicar de ser mãe. As duas coisas não coexistem de forma harmônica na nossa cultura machista.

A minha explanação neste post é levando mais em consideração a realidade do país onde moro. Há muita coisa aqui que bate com a realidade de outros países, mas o post é guiado pela realidade que vivo e não de outros lugares.


Existe a mulher que precisa voltar a trabalhar porque ela é a responsável pela maior renda da casa ou os benefícios que ela recebe são essenciais para família, como por exemplo, plano de saúde. Existe a mulher que precisa voltar a trabalhar porque a família precisa das duas rendas para poder manter o mínimo de dignidade. Existe a mulher que não pode trabalhar porque a família simplesmente não tem a condição financeira de ter um cuidador para a criança e ela trabalhar vai gastar todo o salário em babá ou creche. Existe a mulher que até pode voltar a trabalhar, mas quando coloca na balança o custo benefício, não vale muito a pena e opta por ficar em casa. Existem mulheres que não querem ficar em casa e optam em voltar a trabalhar independente do custo benefício. Existem mulheres que querem ficar em casa. E há diversos outros cenários, ou seja, voltar a trabalhar, para a mulher, após ter um filho envolve um milhão de fatores sociais e pessoais. 

Eu nunca pensei que pararia de trabalhar, mas também sempre tive claro que não gostaria de trabalhar da mesma forma que trabalhava. No meu emprego, eu quase não tinha folga ou férias. Houve períodos que trabalhei meses sem ter um dia sequer de descanso. Era um ritmo frenético que para mim, funcionava bem quando era só eu, marido e Lua. Quando fiquei grávida, decidi que as coisas precisavam mudar. Como eu tinha muito tempo de casa e um currículo que me garantia poder de negociação, eu consegui diminuir minha carga horária dramaticamente, podendo ter todos os finais de semana e feriados em casa e ainda recebi aumento de salário. Verdade que voltei a trabalhar quando Pandinha tinha apenas 9 semanas de vida, mas é EUA, as coisas são por aí mesmo rsrsrs Em Ann Arbor, eu tinha o equílibrio "perfeito" de carreira e disponibilidade para meu filho, além de uma pessoa que eu confiava demais para cuidar dele enquanto eu trabalhava. Perfeito entre aspas, pois estou insatisfeita com certas coisas da minha área, mas isso também é assunto para outro post rsrsrs Por hora, vou focar só no lance de voltar a trabalhar fora.

Eu não me arrependo de ter voltado a trabalhar, mesmo tendo sofrido um bocado na época. Seria legal se eu pudesse ter ficado mais em casa. Puerpério é cruel hahaha mas trabalhar me ajudou a trazer um certo equílibrio sobre a maternidade e a Aline além da maternidade. Eu trabalhei de quando Pandinha tinha 9 semanas de vida até ele completar 18 meses. Como comentei, tinha um equilíbrio bacana, férias bacana e meu salário estava ok para pagar alguém para ficar com o pequeno. Aí decidimos nos mudar. 

Quando nos mudamos para Rochester, eu decidi que ficaria em casa pelos primeiros 6 meses para poder nos ajustar e procurar alguém para cuidar do Pandinha. Fiz alguns trabalhos voluntário ajudando como intérprete no hospital, mas nada de comprometimento de longo prazo. Conversei com o laboratório daqui, dei uma olhada em oportunidades e decidi que não era o que queria por vários motivos, os principais sendo salário e carga horária. Eu não estou afim de me comprometer período integral e de fim de semana com nenhum emprego. Um outro problema é que ser nova em um emprego por aqui, normalmente significa férias bem curtas e minha gente, minha vida adulta toda é de férias corridas, normalmente usando meus parcos dias para visitar a família no Brasil, então agora que tenho a oportunidade de viajar um pouquinho, abracei a ideia hahahaha 

Meu cenário de escolha é: voltar a trabalhar com carga horária que vai me dar quase nada de tempo e liberdade fora do trabalho e um salário que vai praticamente ser gasto em cuidador para Pandinha, ou ficar em casa. E sim, eu reconheço o meu privilégio de poder fazer esta "escolha," mas entende que de fato, seu eu pudesse mesmo escolher não seria o que eu faria? Eu trabalharia meio período. Agora em casa, conhecendo um bocado de mães, é impressionante o número de mão de obra hiper qualificada que está em casa pois a sociedade coloca um mundo de obstáculos para o equílibrio entre se ter filho e uma carreira. É como coloquei ali mais para cima, as duas coisas não coexistem no patriarcado. 


Será que algum dia vai cair a ficha do quanto ser mãe não é impedimento de ser excelente profissional? Alguns lugares se tocaram que sim, mas infelizmente, ainda está longe de ser uma realidade atingível para a maioria das mulheres que têm filhos. Então, respondendo a pergunta que me fazem: Não, não tenho planos de voltar a trabalhar imediatamente com as opções que me são oferecidas. Decidi utilizar este período com estudos e se no meio do caminho aparecer algo tentador, eu re-avalio o que quero fazer. 

Comments

  1. Olha, você abordou vários pontos interessantes... a responsabilidade que recai sobre a mulher, a visão do mercado que filho é limitante na carreira de uma mulher, a diferença de oportunidades para mães e pais, e também a questão da carga de trabalho americana. Marido é americano e nós descartamos por ora a ideia de morar nos EUA porque ele é professor, sempre terá 2, 3 meses de férias. Mas eu vou entrar em trabalho novo com o que? 10 dias, né... é osso.
    Aqui na Suíça tem vários problemas, mas uma coisa que eu gosto é a possibilidade de trabalhar 40, 50, 60%... para as mães é ótimo. Nem sempre cobre o custo de um day care, mas quando as crianças já vão para o Kindergarten ajuda.

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    1. Gabi, eu acho a carga aqui meio insana. Minha única experiência de trabalho era no Brasil, e lá eu também trabalhava sem férias e de fim de semana, mas a expectativa de horas que eles colocam nas costas aqui, eu acho bem maior. Seria maravilhoso se tivesse essa flexibilidade como aí na Suíca, mas eu acho que demora ainda, porque a cultura aqui ainda é, vc escolheu ter filhos, porque vai ter mais benefícios do que quem não tem filhos? Aqui esta coisa de privilégio e direitos é mais complexa do que via no Brasil.

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  2. Ah Aline... trabalhar ou não trabalhar, eis a questão...
    Achei bem interessante o ponto que você colocou quase no final do post que é a quantidade de excelente mão de obra qualificada que está fora do mercado de trabalho, sem dar sua contribuição para empresas e sociedade porque são MÃES. Infelizmente eu conheço muitas mulheres que passam pela mesma coisa, parece que é uma punição porque elas um dia decidiram "voar e abraçar o mundo" e depois que se tornam mãe são "obrigadas" a voltarem a desempenhar seus papéis originais. Faz sentido o que estou falando?? A sociedade americana só vê seres humanos como mão de obra, infelizmente.
    Imagino como deve ter sido conflitante para você tomar esta decisão e sei que o zunzunzum das perguntas dos outros acabam às vezes perturbando a nossa cabeça, mas fico feliz que você está bem com a sua decisão agora.
    Aproveite muito esta fase!

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    1. Paulistana, exato, é a ideia de que pq somos mulheres, ou temos que escolher ou o outro :( A gente se cobra tanto o tempo todo né? E aí vem um comentário e uma pergunta alheia e faz nossos fantasmas todinhos nos caçarem. Estou feliz com a escolha, a maior parte do tempo rsrsrs Bjss

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  3. Aline uma vez vi uma reportagem aqui de um CEO falando que mulheres nao podem reclamar por ganhar menos pois e contado que logo ela vai sair do mercado de trabalho pra cuidar dos filhos. Essa entrevista sempre me vem a mente quando converso com amigas com o mesmo dilema.

    A verdade e que cuidar de crianca e muita responsabilidade e por isso muito caro o que forca muita gente fora do mercado (mulheres) por outro lado as empresas nao ajudam com creches ou gastos e os homens com medo da competicao ficam quietos por que no final eles podem contar com a mae pra fazer o sacrificio. Sociedades patriarcais sao muito merda mesmo. Espero viver pra ver mudancas, pois seria benefico pra todos nos...

    Boa sorte na sua avaliacao e espero que ache um caminho que goste e que lhe proporcione mais tempo com seu filho.
    Bjs

    Ps.: mudei o endereco do blog, agora e: https://herethereandwords.blogspot.com/

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    1. Monique, este comentário que você colocou é um excelente exemplo da cultura do país: não se pode ter filho e ter uma carreira profissional bem sucedida se você tiver uma vagina. Um saco. Aos poquinhos chegaremos lá, eu espero.

      Ebbaaa, já vou lá no novo blog. Bjss

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