Reflexões de uma adulta

Sempre falam que quando nos tornamos pais, entendemos melhor a atitude dos nossos pais. Acredito que não apenas quando viramos pais, mas o amadurecimento também nos faz entender algumas atitudes.

Todo este processo de entrar na faculdade, de novo, me trouxe memórias. Memórias tristes da primeira vez que entrei na faculdade.

E pq resumir uma história não é exatamente meu forte rsrsr Vamos ao começo :)

Eu estudei a minha vida inteira em escola pública. Aliás, da minha primeira série até o terceiro ano do segundo grau, eu estudei exatamente na mesma escola! Meus pais nunca puderam me pagar uma escola privada. Apesar de valorizarem absurdamente a edução, eles estavam muito ocupados pagando as contas para termos uma casa e o que comer.

Fazer faculdade era um objetivo que nada nem ninguém me fariam desistir. Meus pais sempre me apoiaram em correr atrás dos estudos, mas na cabeça do meu pai existia um porém, eu precisava estudar em uma faculdade pública.

Apesar de me considerar uma pessoa bastante inteligente (e modesta rsrs) eu não sou assim nenhum Einsten. E quem estudou em escola pública sabe o quanto o ensino, infelizmente, é limitado. Eu corri atrás do que podia, mas não foi o suficiente. Minha única possibilidade, mesmo entre as faculdades públicas, era passar na USP. Não havia a mínima chance de eu mudar de cidade, pois meus pais não teriam nunca como me ajudar a me manter em outro lugar. Faltou pouco para eu passar para a segunda fase na USP, mas não importa o quanto faltou, a realidade é que eu não tinha passado e pronto! E vamos para a realidade, passar a primeira fase de medicina da USP é muito mais fácil do que passar a segunda rsrsrs

Pois bem, terminei o ensino médio e a faculdade não entrava no schedule naquele momento. Então fui trabalhar. Minha primeira entrevista, foi em uma loja. Na entrevista a dona da loja me perguntou o pq eu queria trabalhar lá, e minha resposta foi a mais sincera possível: Eu queria ter estrutura financeira para poder me sustentar em uma faculdade privada. Consegui o emprego, e até hoje a minha antiga chefe (hoje minha amiga pessoal) fala que nunca teve uma funcionária tão determinada a fazer faculdade rsrsrs.

Eu também não queria fazer qualquer faculdade privada. Me desculpem, mas estava determinada a ter o meu bacharelado não apenas para ter um diploma, mas para aprender e tirar da faculdade todo o tipo de conhecimento que podia. Então encarar as Unibozo não dava. Não sou esnobe e nem desvalorizo pessoas que fizeram faculdade em qualquer instituição específica, mas para mim, ter aula de anatomia com bonecos era algo inadimissível.

Bom, uma faculdade privada boa, custa o olho da cara e mais um rim :)

Fiquei 3 anos juntando dinheiro, e estudando por conta própria nas minha horas vagas. Quando achei que tinha dinheiro suficiente para alguns meses de faculdade, eu prestei o vestibular. Meu pai não queria de jeito nenhum que eu fizesse faculdade privada. Nós não tinhamos condições de manter meus estudos. Ele acreditava que eu conseguiria entrar na USP se continuasse estudando. Talvez sim, mas já faziam 3 anos que eu estava fora dos estudos, e eu não queria deixar o tempo passar ainda mais.

Fiz o vestibular e passei. E pq sou cagada mesmo... rsrs No ano anterior ao vestibular que passei, a Universidade dava bolsa de 100% para os 5 primeiros colocados vindo de escola pública. Eu fui a primeira colocada dos estudantes de escola pública, e a nona no ranking geral. No entanto, naquele ano, eles haviam cortado a bolsa :(

Não desisti. A idéia era sofrer quando tivesse que sofrer rsrsrs Fiz a minha matrícula, e quando voltei para casa tive uma das piores discussões, da minha vida, com o meu pai. Ele estava bravo por eu ter feito a matrícula. Ele estava bravo por eu não ter esperado mais e tentando na USP. Ele estava bravo por milhões de motivos. E eu fiquei brava com ele. Ele disse para eu cancelar minha matrícula, e eu disse que não o faria. Foram horas de discussão. Por muito tempo fiquei magoada, por muito tempo fiquei ressentida, mas passou. Com o tempo ele viu que mesmo com dificuldade, eu estava conseguindo, e me formei. Minha colação de grau foi extremamente emocionante, com o meu pai e minha mãe chorando de soluçar, e lógico que eu também. Fui a primeira a me formar em minha família!

Como comentei no começo, o início da segunda faculdade trouxe estas memórias à minha cabeça. E com as memórias, as análises. Desta vez, a coisa foi tãoooo diferente. Meu pai ficou super empolgado com a idéia de eu voltar para faculdade. Ele tem um pouco de dificuldade em entender que eu não preciso escolher um curso ainda, que posso fazer matérias básicas, mas ele está dando full support, para seja la o que for.

Com a análise veio as lembranças de outras situações. Coisas que na época da minha primeira faculdade eu não levei em conta, e meu pai talvez por vergonha, nunca expressou seu real sentimento.

Anos antes de eu entrar na faculdade, minha irmã mais velha havia tentando também. Ela só conseguiu fazer um semestre, pq como ela não conseguia pagar as mensalidades, ela não pode se matricular para o segundo semestre. Meu pai tentou bolsa, tentou ajuda do governo... Ele tentou tudo que estava ao alcance dele. Ele e minha irmã foram se reunir com o reitor da faculdade, e chorando meu pai explicou toda a situção para o reitor. Meu pai disse que faria tudo para que minha irmã conseguisse estudar, mas que algumas linhas ele não estava disposto a cruzar. Como policial, todos nos sabemos que ele poderia seguir alguns caminhos não muito honestos, e nossa vida seria diferente, mas este não é o meu pai. O reitor disse que não havia nada que eles podiam fazer. Eles perdoaram a dívida da minha irmã, mas ela não pode continuar estudando. Minha irmã ficou devastada! Meu pai também.

Hoje penso na dor que meu pai deve ter sentido. Penso na frustração e na impotência que devem ter tomado conta dele por muito tempo. Aí penso o quanto o dia da minha matrícula trouxe todos estes sentimentos de volta. Ele poderia ter agido de forma diferente comigo? Com certeza, mas hoje consigo ver com clareza o quanto deve ter sido bittersweet minha entrada na faculdade. Consigo ver o quanto ele tinha medo que eu acabasse devastada como a minha irmã.

Fiz o 4 anos de faculadade. Não foram fáceis! Trabalhei os primeiros 3 anos na loja, e os horários eram bem puxados. Meu salário ia todinho para as minha mensalidades, que na verdade estava pagando parcialmente, pois havia feito financiamento. Mas nos 4 anos que estudei, mesmo com todo o medo que hoje tenho certeza que meu pai sofria, ele me apoiou no que podia. Com o tempo, ele foi vendo que eu conseguiria e que ele tinha me educado para lutar até o fim pelos meus sonhos. 

Hoje estou devidademente formada e minha irmã também. Toda a chateação e a mágoa do dia da matrícula há muito se foram embora. Eu e meu pai temos uma relação única, do tipo que foi ele quem me acompanhou na primeira visita ao ginecologista... E claro que o fato da minha matrícula não havia abalado esta relação. E hoje, após a análise mais madura e centrada rsrs Rola até um sentimento de que eu exagerei na época. Desistir não ia ser nunca uma opção, mas eu poderia ter sido um pouco mais compreensível... Oh well, é passado ;)

Comments

  1. Quem nunca se sentiu a injustiçada e a incompreendida pelos pais levanta a mão \o/\o/. Já passei por momentos parecidos com o pai, mas hoje, eu vejo que o que ele fez foi sempre pensando no melhor para a família. Realmente, a gente cresce e amadurece. Como disse sabiamente o Renato Russo: "você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo, são crianças como você..." Bjs

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    1. Sandra, eu sempre fui uma filha muito "da gente boa" rsrsrsrs Nunca "encrespei" com meus pais com nada. Nunca fui uma aborrescente. Das três filhas, fui a que não deu trabalho (minha alma é velha, tenho certeza rsrs) Mas eu também sempre fui determinada, mas acho que no geral, eu sempre usei força extra para compreender meus pais quando mais jovem, até quando eu tinha certeza que eles estavam errados rsrs. Bjss

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  2. Que linda sua história...que bom saber que existem pessoas como vc....eu tenho uma história parecida com a sua. com a diferença que fui " sortuda"o suficiente pra ganhar uma bolsa de estudo na melhor universidade privada de Ribeirao Preto....
    Os nossos pais mesmo quando eram é tentando nos proteger...bjs bom fim de semana

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    1. Lia, mto obrigada!! Pois é, na época que comecei a estudar, a faculdade havia acabado com o programa de bolsas, e ainda não existia métodos de bolsas e empréstimos pelo governo :( Mas no fim, deu certo e estou devidamente formada :) Bjss


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  3. Que historia super bonita, lembrei de tanta coisa similar como ter estudado em escola publica tambem. A parte mais bonita que admiro em voce e seu pai (mesmo sem conhecer pessoalmente ja visualizo a pessoa dele...rs.) e a determinacao em fazer o que e certo e correr atras do que quer, ele como policial poderia facilmente ser corrupto e fazer um monte de coisa ilegal mas ele optou pelo mais dificil (eu acho) que e fazer o certo e servir como otimo exemplo para a familia. Bom saber que voce e sua irma realizaram o sonho da faculdade e deram muito orgulho para a familia =)
    Beijinhos

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    1. Muito obrigada, Monique!! Meu pai é Caxias, e tenho muito orgulho disso!!! Cair para as bandas erradas para nos dar um futuro melhor não era uma opção!! No fim, ele manteve a honestidade e nós todas nos saímos muito bem na vida :) Bjss

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  4. Wow, Aline, que lindo seu post! Eu tb passei pela mesma situação. Tive que começar a trabalhar para conseguir pagar a faculdade, e fiz isso. Minhas irmãs tb trabalhavam e estudavam. E eu ainda estou nessa, pq nem me formei ainda...ai, como foi puxado trabalhar e estudar. E eu tb fui como vc, nada contra a Unibozos, mas eu queria uma universidade com um nome mais forte, já que tb nao csonegui passar na USP, mas eu nao tentei Medicina, hahaha.
    Parabéns pelas suas consquistas e dedicação. Vc merece, pois correu dos seus sonhos.
    beijo!

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    1. Tacinha, parabéns para nós!! Que bom que temos famílias que nos ensinaram que devemos lutar pelo que queremos, e foi isso que fiz!!! No fim, hoje sou feliz que não consegui passar em Medicina, pq na épocoa só escolhi o curso pq era o mais próximo do que queria, que era trabalhar com doenças, específicamente usando o microscópio!! Tudo acontece por uma razão certo?! Mto obrigada, flor e boa sorte para vc no trajeto que está correndo atrás! Bjss

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  5. Aline hoje ja um pouco velhinha eu vejo o quanto exagerava em relacåo as opinioes que minha måe dava na minha vidA, hoje eu vejo o quanto ela sempre quis o meu bem em todos os sentidos, enfim nåo existia ninguem certo nem errado eram so opinioes diferentes igual a vc e o seu pai.
    Acho que vc deve ser mto parecida com ele, pelo jeito os dois såo mto determinados, e vc parabens pela garra.
    Um bjo e otima semana.

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    1. Re, a gente amaduresce e aprende tanto, né?! Vc falou a mais absoluta verdade, eu e meu pai somos muito parecidos nas atitudes. Minha mãe sempre faz piada que ela só foi a barriga, todo o resto veio dele rsrs Mto obrigada, flor!! Bjsss

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  6. Que lindo! amadurecer é tão bom né! Por isso não tenho vergonha de idade e de fazer aniversário e claro, de refletir a cada ano, analisar tudo que passei. Experiência e maturidade são grandes conquistas. bjss

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    1. Bia, penso como vc, não tenho nehuma vergonha da minha idade!! Foram estes anos que passaram que me trouxeram toda a experiência que tenho, e me orgulho muito disso :) Bjuss

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  7. Que historia linda de garra, determinacao e amor, ne?! Porque o que ficou claro é que tem muito amor na sua familia.
    Parabens pela segunda faculdade e boa sorte. Alias, se matriculou em que curso?

    Beijos

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    1. Liza, bem vinda ao blog!! Muito obrigada! Verdade mesmo, minha família tem muito amor para dar :) Aqui no USA a gente tem a possibilidade de matricular em matérias específicas (pré requesitos para a maioria dos cursos) antes de de fato escolher o que vai cursar. Por enquanto ainda não sei o que fazer rsrsrs Só vou estudando rsrs Bjuss

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