Meu orgulho

Eu tenho certeza que não digo isso suficientemente, mas eu tenho um orgulho infinito da carreira que meu marido escolheu, mesmo eu reclamando o tempo todo das longas horas que o impede de passar mais tempo com a família hehehehe  O orgullho está não apenas no que ele faz, mas também no que o levou a escolher a carreira que escolheu. 

Este é meu diário, mas este post é a história de carreira dele, para dizer o quanto tenho orgulho e o privilégio de tê-lo ao meu lado.

Meu marido imigrou do Japão para os EUA aos 9 anos de idade. Ele não falava nada em Inglês. Amigos de escola e professores se desdobraram para ajudá-lo com a língua. Coleguinhas ficavam na escola horas após as aulas para ajudá-lo com as tarefas relacionadas à língua. Meu marido se sentiu acolhido pelos seus coleguinhas e professores e conta que foi neste período que ele decidiu que queria como carreira algo em que ele pudesse fazer a diferença na comunidade. Veja bem, no Japão, meu marido era considerado um aluno problema. Ele não tinha interesse e era o terror da sala de aula. Ao se mudar para os EUA, os novos professores e os coleguinhas de classe deram à ele um novo propósito e ele passou a ser o aluno número um. 

Foi lá pelo meio do Ensino Fundamental que ele decidiu que virar médico era a melhor forma de retornar para a sociedade o que eles haviam dado à ele: cuidado, oportunidade e aceitação. Foram anos de muitos estudos até ele se formar na faculdade de medicina. Como já comentei em outro post, nos EUA você não termina o Ensino Médio e presta vestibular para medicina, não, faculdade de medicina é curso de especialização como mestrado ou doutorado. Então, antes de fazer o curso de medicina, o estudante precisa de um bacharelado. Marido é bacharel de ciências no curso de "Neuropsicobiologia e Ciência Cognitiva" (não conheço curso equivalente no Brasil então fiz tradução literal do nome).

Após se formar bacharel, vieram os 4 anos da faculdade de medicina. Ao fim do curso, ele estava inclinado a se tornar cardiologista para doenças congênitas. Pacientes com doenças congênitas tendem a ver o mesmo médico durante toda a vida, de criança até adulto e por isso marido escolheu fazer a residência médica dele na especialização de medicina adulta e pediátrica. Foram mais 4 anos e nestes anos, marido percebeu que ele não conseguiria se comprometer com apenas um órgão, o desafio para ele era trabalhar com todo o complexo sistema do corpo humano. Marido também aprendeu que não dava para ele ser cirurgião, pois ele gosta e muito da interação diária com pacientes e não das diversas horas em pé em centro cirúrgico. Nos 4 anos, ele também aprendeu que não dava para ser generalista e atender em clínica, ele se sentia extremamente entediado em fazer o atendimento em clínicas durante a residência. Ele percebeu também que trabalhar com a população pediátrica era mais satisfatória para ele e foi assim que ele decidiu fazer sua segunda especialização e se tornar intensivista pediátrico; mais 3 anos de treino. 

Não há a menor dúvida que ser médico têm vantagens, mas normalmente, quando as pessoas olham para o meu marido e minha família elas tendem a olhar e exagerar as vantagens e ignoram as desvantagens. Umas das principais desvantagens é que marido trabalha longas horas, são uma média de 70h por semana no hospital e mais infinitas horas em casa trabalhando com pesquisa, se atualizando, estudando casos etc. Nos EUA, os médicos são os profissionais que mais cometem suicídio. Entre as diferentes especialidades, os intensivistas estão no topo entre os profissionais com maior índice de esgotamento profissional: longas horas e a intensidade de lidar com pacientes e família no que provavelmente é um dos piores momentos que aquelas pessoas estão passando, obviamente tem um efeito também naqueles que cuidam destas pessoas. Alguém aí já assistiu o curto documentário "Extremis?" Está disponível no Netflix e segue profissionais e familiares em uma UTI adulta. Assistam, o documentário nos mostra um pouquinho do dia a dia dos profissionais, dos pacientes e de seus familiares dentro do, muitas vezes devastador, mundo da UTI.

Ser intensivista é desgastante físico e emocional. Marido decidiu ser intensivista pediátrico e todos os dias, quando ele chega em casa e divide seu dia comigo, eu vejo a intensidade da profissão. Famílias estão ali pois seus filhos estão em estado crítico. A gente sabe que doença e morte são parte da vida, mas a gente nunca está preparado para a fragilidade da nossas vidas e principalmente para a fragilidade da vida de nossos filhos. Os médicos não estão imunes ao que os pais passam. Há dias que marido chega em casa e choramos juntos. 

Marido escolheu a medicina para poder retornar para a sociedade o que eles fizeram para ele lá atrás, quando ele chegou no país. Ele escolheu cuidar de crianças e suas famílias em um dos seus piores momentos e cada dia que ele chega em casa com um cartão ou presente dado por pacientes e familiares, eu vejo o quanto ele está fazendo, com sucesso, o que ele determinou como meta lá quando ele era adolescente: ele está fazendo a diferença na vida destas pessoas e fazendo com que elas se sintam acolhidas como ele se sentiu. Tem como não se orgulhar? 

Comments

  1. Realmente não tem como não se orgulhar do seu marido e seria legal se no mundo tivesse mais pessoas como ele em todas as profissoes e fora delas tambem.

    Bjs.

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  2. Tem motivo para ter orgulho sim senhora, e muito! :)

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